Por Dalila Pereira de Sousa1
Palavras chave: desenvolvimento infantil, fantasia e Sintoma Infantil.
Resumo: Neste artigo tenho como meta compreender um pouco a respeito do desenvolvimento infantil, com o intuito de saber qual o papel da fantasia no Sintoma Infantil, qual o seu real propósito. Dialogar com autores que mostrem o direcionamento, o caminho do psicanalista diante do Sintoma Infantil. Para tanto, é preciso compreender como se dá o desenvolvimento do ser humano e qual o papel do Outro nessa grande aventura, que é se tornar um sujeito de desejo sendo na medida do possível um sujeito autônomo.
Primeiramente é preciso entender o desenvolvimento infantil. Esse é um tema em que podemos visualizar por várias vertentes, diversos saberes se ocupam deste assunto. Jerusalinsky(1988) é psicanalista, mestre em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e doutor em Educação e Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP). Além disso, é membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre e da Association Lacaniènne Internationale, mostra em um de seus trabalhos a diversidade de conceitos para compreender o desenvolvimento infantil, como: a evolução do tônus muscular responsável pelo desenvolvimento motor reflexos e esquemas de ação, dependência e independência, integração do ego, maturação neurológica dentre outros. Entretanto, Jerusalinsky (p.21,1988) diz que na verdade “... o que se desenvolve são as funções e não o sujeito”. Porém para que essas funções se desenvolvam é preciso que algo maior aconteça da ordem do desejo, anterior ao desenvolvimento motor. É preciso que uma dimensão mental seja instaurada e coloque o sujeito a trabalho da busca de seu desenvolvimento. Trata-se segundo Jerusalinsky (1988) de uma dimensão propriamente psíquica, que organizará e dará contorno ao objeto. Essa dimensão psíquica embora, seja de ordem físico-biológica, modificará, por exemplo, a organização do tônus muscular. Jerusalinsky formula:
A organização do tônus muscular não depende somente de sinergias e automatismos neurofisiológicos, mas sim do tipo de tratamento que o Outro na posição materna outorgue aos estímulos internos que assediam a criança. (Jerusalinsky, p. 22. 1988).
Portanto, é indiscutível a importância do olhar do Outro para a sobrevivência humana. O indivíduo da espécie humana é, segundo Jerusalinsky (1988), um deficiente instintivo. Para o sujeito, estar inscrito no desejo do Outro, no discurso do Outro, é uma condição imprescindível para sua sobrevivência; a partir de então a pulsão poderá desempenhar seu papel. O bebê fica então à mercê dos cuidados do Outro, exposto às suas necessidades sem nenhum meio ou recurso próprio para satisfazer suas necessidades, nada em seu sistema neurológico pode eliminar seu mal-estar. O ser humano não tem escapatória depende do Outro para sobreviver, e será nessa dependência que irá se constituir enquanto sujeito de desejo. Nessa relação dual onde ao mesmo tempo em que ele se vê completo colado em seu tutor, ele deverá descolar de suas fantasias, viver suas faltas para então se constituir sujeito de desejo. Assim define Jerusalinsky a condição humana:
Para os estímulos internos, a criança não tem escapatória, somente poderá operar uma tentativa de resolução através do outro ser humano tutelar. È por isso que o objeto humano é constituído pelo outro. O que define para esse objeto seu campo de alteridade e, portanto a alienação do sujeito a respeito dele. Este objeto, no imaginário constitui-se como idealizado e no real, como impossível. (Jerusalinsky, p. 22. 1988).
Freud constata, segundo Jerusalinsky (1989), que no homem existe algo que, não se trata da pulsão, mas sim as fantasias originárias. Relacionando a relação entre fantasia e desejo. Segundo Laplanche (1990) a fantasia nada mais é que a “... transcrição imaginária do desígnio primordial de toda e qualquer pulsão, desígnio que implica de imediato um objeto específico, a investida instintual é necessariamente sentida como uma fantasia que, seja qual for seu conteúdo”. Deste modo podemos interpretar que tudo que é consciente no sujeito em algum momento foi inconsciente, para Isaac (1990) somos frutos de nossas fantasias. Para cada operação mental existe uma fantasia subjacente. O sujeito biológico está em ligado ao sujeito da fantasia. O bebê irá experimentar através de sua relação de completude com sua mãe, a experiência da satisfação original. Deste modo, na ausência dessa satisfação o bebê sob uma forma alucinada, buscará de forma incessante seu objeto de desejo. Estaria então, neste ponto, o surgimento das fantasias mais fundamentais? Segundo Issac:
As fantasias mais fundamentais seriam aquelas que tendem a reencontrar os objetos alucinatórios vinculados às primeiras experiências do fluxo e da resolução do desejo... A fantasia encontraria sua origem na satisfação alucinaria do desejo, reproduzindo o bebê sob a forma alucinada, na ausência do objeto real, a experiência de satisfação original. (Isaac, p. 77,78. 1990).
Para Freud o papel da mãe é sedutor, quando ela se põe a cuidar de seu bebê ela: lava, coloca fraldas e faz muitas carícias em sua criança, neste momento as zonas erógenas acabam por serem privilegiadas, a pele, o ânus as genitais. Essas regiões biologicamente quando acariciadas provocam prazer, assim serão pontos para atraírem o desejo do sujeito, e também a fantasia materna. Segundo Laplanche (1990) essa seria uma modalidade da fantasia originária. Este acaba por situar a origem da fantasia e sua ligação com o desejo.
Para a psicanálise a fantasia ocupa um lugar de grande importância dentro dos processos de análise do sujeito, segundo Freud a fantasia é um fio condutor para a história do sujeito uma porta para inconsciente. Para Freud2 a fantasia é definida em termos de estrutura de linguagem; onde o papel do outro é central.
Há primeira vista pode parecer que para a psicanálise a análise de uma criança é um complicador. Portanto, diante dos Sintomas Infantis qual a posição da psicanálise? Veremos que os caminhos percorridos por Freud em sua primeira análise de uma criança no Caso do Pequeno Hans3 a compreensão das fantasias são um fio condutor que funciona de maneira que conduz as verdadeiras lembranças infantis. Para Freud (1987) as fantasias são descritas como fachadas psíquicas, obstruindo o caminho para as lembranças infantis. Ainda Freud:
As fantasias servem ao mesmo tempo à tendência de refinar as lembranças, de sublimá-las. São feitas de coisas ouvidas e utilizadas subseqüentemente; assim elas combinam coisas que foram ouvidas e coisa que foram experimentadas; acontecimentos passados (da história dos pais e dos ancestrais) e coisas que a pessoa viu. (Freud, p.336.1976).
Os Sintomas Infantis a princípio podem parecer um grande enigma, mas com uma função muito distinta endereço certo surge com um papel definido dentro do contexto familiar. Para Freud e para Lacan o Sintoma nada mais é que uma forma de apelo ao pai. E a fantasia é uma leitura que a criança faz da falta do Outro, nessa história o medo de não corresponder ao que o Outro demanda dele, traz à ameaça de devoração4, e como recurso o apelo ao nome do pai. A criança espera que o pai interfira nessa relação para que ela consiga “criar” uma identidade, mas o pai falha e com isso ela fantasia uma saída. Ela então faz Sintoma. Deste modo, terá seu desejo reconhecido e o reconhecimento do desejo. A criança vive a angústia do enigma do desejo do Outro, o Sintoma é uma resposta pessoal a esse enigma. Ao elaborar o Sintoma ela se vê fora do risco de ser devorada, acaba por elaborar uma explicação para a falta do Outro, somente deste modo ela poderá se situar enquanto um sujeito de desejo, diferente do grande Outro, esse ficará no campo da fantasia. Para que todo esse processo de transformação ocorra é preciso que o terceiro se apresente e garanta o afastamento da mãe e para que o desejo dessa mãe possa ser desviado do filho.
O esperado é que a função paterna venha a falhar assim, pois segundo Bernardino (p.59) na falha paterna a organização sintomática virá em defesa de um mínimo de subjetividade, e ficará oscilando entre fazer objeto imaginário de gozo do Outro e destituir-se deste lugar através dos fracassos do Outro. Ainda em Jerusalinsky, citado por Bernardino (p.59) “O Sintoma é a tentativa elementar, mas desesperada, de sustentar um mínimo de subjetividade diante do imperativo do Outro”. No Sintoma a criança, segundo Bernardino (p.60), “coloca do dedo na ferida, no ponto cego da posição de seus pais, principalmente da mãe face ao desejo”. A criança na construção do Sintoma se apropria do discurso dos pais ou principalmente da mãe, e delata o insuportável desta relação, mostrando qual o lugar da criança em sua “fantasmática5”.
Como poderia então o psicanalista intervir na construção do Sintoma da criança, se a criança é portadora da questão do Outro? Seria possível desvincular essas questões da relação triangular mãe_filho_pai entrar na singularidade em uma análise? Para Bernardino (p.61) é uma condição de a infância ser dependente absoluto da fantasia do Outro, para que somente assim pode ter um lugar para os seus significantes. Ele só irá se construir a partir destas referências. Na psicanálise o papel do analista é através de uma neurose de transferência produzir uma neurose para o analista, dando lugar a esse Sintoma. Nesse caminho a criança montará uma saída edípica mais criativa, não podemos simplesmente arrancá-lo do sujeito o sintoma tem a função de primeiramente diminuir a angústia do sujeito.
REFERÊNCIAS
BERNARDINO, Leda Mariza Fischer - SIM, TOMA! Texto ministrado em sala de aula na disciplina de Psicopatologia Infantil.
FREUD, S. “Rascunhos L” (2/5 /1897), E,S,B –1976, vol I, p. 336.
JERUSALINSKY, Alfredo. Psicanálise e desenvolvimento infantil: um enfoque transdiciplinar / Alfredo Jerusalinsky; trad. De Diana Myriam Lichtenstein et alii. – Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.
1 Dalila Pereira de Sousa, graduação em Psicologia pelo Centro Universitário Newton Paiva.
2 Freud, citado por Bernardino – texto SIM, TOMA!
3 Caso Pequeno Hans – Este caso foi um divisor de águas na psicanálise. Freud pela primeira vez, aceita analisar uma criança de 5 anos por intermédio de seu pai. Assim teve acesso ao Sintoma Infantil, Hans desenvolveu em sua passagem pela castração um Sintoma, Fobia de Cavalos. Neste caso, Freud retorna ao Sinthoma estrutural gerador das questões da criança.
4 Ameaça de devoração – Expressão utilizada pela psicanálise para explicar a relação dual mãe-filho e sua alienação perante a este filho.
5 Fantasmática_ Termo utilizado por Bernadino, Leda Mariza Fischer – Texto Sim, Toma! No contexto, é a falta da mãe. A criança vive a procura dos primeiros cuidados maternos ...