sexta-feira, 14 de novembro de 2008
A Palavra
Eu havia sido colocada ali com uma segunda intenção que nem eu mesma conseguia compreender muito bem, fui ardilosamente camuflada no meio daquele texto, escondida entre substantivos, adjetivos, preposições e artigos, me sentia um pouco ridícula e ao mesmo tempo desprotegida, o envelope se fechou e a luz se apagou.
Dias depois fui bruscamente acordada por um súbito clarão de luz e um estrondoso barulho de papel rasgando, ainda meio zonza percebi que o envelope tinha sido aberto, meu coração disparou, aquele homem ansioso corria rapidamente as vistas sobre nós, eu fiquei ali parada, estática, esperando a minha vez como quem espera por um pelotão de fuzilamento, embora eu estivesse guarnecida por duas poderosas aspas, eu sabia que poderia ser muito mal interpretada, ainda mais porque não muito longe dali havia uma vírgula que me detestava, pois tinha sido desalojada exatamente do lugar onde eu estava só para eu ser colocada ali, o ponto que era meu amigo nada podia fazer, pois estava à duas linhas e meia de distância e nem sequer desconfiava do que estava acontecendo.
Depois de disfarçar tentando me esconder embaixo das aspas, finalmente, o encontro aconteceu, aqueles dois olhos verdes me olhando fixamente me provocaram um intenso arrepio, eu não sabia para onde olhar, devo ter ficado vermelha e o que eu esperava acabou acontecendo.
Eu fui violentamente arrancada daquele papel e colocada em outro de qualidade bem inferior, este não tinha nem linhas para eu me apoiar e o nervosismo daquele homem me deixou em uma posição muito desconfortável, quase sendo atirada para fora do papel, com meio corpo sobre a margem e totalmente torta. A escuridão desta vez me deu medo, eu não preguei os olhos e esperei preocupadíssima a luz surgir novamente, sem a proteção das aspas eu temia pelo pior.
E então se fez a luz, ironicamente eu senti um aroma de perfume no ar, os olhos desta vez eram azuis e o contorno que os emoldurava muito mais suave e delicado, meu coração batia a umas 200 ou 300 batidas por minuto e quando os olhos azuis me encararam, o que eu temia ocorreu. Aqueles olhos azuis desprenderam um líquido quente que caiu amargo sobre mim, queimando até a minha alma, me desfigurei completamente e era agora um insignificante borrão de tinta azul sobre um papel vagabundo.
Fui amassada com desdém junto com minhas companheiras de sofrimento e atirada em um recipiente fétido onde havia pedaços de grafite, estilhaços de lápis, fragmentos de borracha, um retrato rasgado, outras palavras sofredoras amassadas em outros papéis e, para minha surpresa, um anel de ouro. Ali, naquele ambiente de devastação e tristeza ainda consegui juntar o que sobrou de mim e pensar; “essas pessoas desconhecem completamente o poder da palavra A M O R”.
25/04/2007 - 07:44 (Leopoldo Luiz Sliwak)
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