segunda-feira, 8 de junho de 2009

CRÔNICA PARA DONA NICOTA


Foi nos anos finais da década de 40. (Há tanto tempo!) Meu primogênito Ricardo completara 6 anos de idade, e resolvemos matriculá-lo no primeiro ano primário da Escola America, do já então tradicional Mackenzie College, que ficava a três quadras da nossa casa. E Ricardinho, que era uma criança tímida e um tanto ensimesmada, não gostou nem um pouquinho da experiência de ficar “abandonado” num lugar estranho, no meio de gente desconhecida – uma coisa para ele muito assustadora. E não houve jeiro de fazê-lo aceitar tão insólita situação. Ele se recusava até mesmo a entrar na sala: ficava na porta, “fincava o pé”, sem chorar, mas também sem ceder... Eu já estava a ponto de desistir da empreitada, quando a professora da classe, dona Nicota, se levantou e veio falar conosco. E todo o jeito dela, a maneira como ela olhou para o RIcardinho, o timbre e o tom da sua voz, a expressão do seu rosto e até a sua figurinha baixinha, meio rechonchuda
, não jovem demais, muito ismples e despojada, causaram imediantamente uma sensível impressão no menino. A tensão sumiu do seu rostinho, seu corpo relaxou, e – ora vejam! – ele respondeu com um sorriso ao sorriso de dona Nicota!
_ Vem ficar aqui comigo – ela disse.
_ Você vai gostar. – E acrescentou, para minha surpresa, _Eu mesma vou levar para a sua casa. E amanhã cedo, eu mesma vou buscar você, para vir à escola comigo.
Eu não sabia como agradecer. E nem foi preciso – o que dona Nicota disse, ela cumpriu. E durante vários dias, até semanas, ela passou pela nossa casa pouco antes do início das aulas, e levou o Ricardinho pela mão, a pé, até a escola e a sua sala. E o trouxe de volta, da mesma maneira. E até quando, certo dia, o menino estava adoentado e não pôde ir à escola, ela voltou para lhe dar uma “aula particular”, em casa – para ele não se atrasar no programa. Tudo isso na maior simplicidade, como se fosse a coisa mais natural do mundo...
O Ricardinho adorava a dona Nicota – e não era para menos. Dona Nicota era a mais perfeita e linda encarnação da “professora primária” ideal – a mais nobre e fundamental das profissões: a de ser a primeira a preparar uma crianã pequena nas suas primeiras incursões na vida real – com competência, dedicação, compreensão, paciência e carinho. E a consciência plena de estar dando à criança uma verdadeira base para o futuro cidadão.
Por que estou contando tudo isso a vocês, hoje? Por que, no Dia do Professor, eu senti que não poderia prestar maior homenagem a todos os “mestres-escoladas” do Brasil do que incluí-los nesta “crônica-tributo” a dona Nicota, exemplo e paradigma de uma modesta e maravilhosa professora “montessoriana” e um grande ser humano.
Ricardo saiu de sob a asa de dona Nicota lendo e escrevendo. E hoje, jornalista, tradutor e escritor, esse ave de três netos continua se lembrando de dona Nicota, com carinho e gratidão.
Essa dona Nicota que a estas horas deve estar dando aulas montessorianas aos anjinhos do céu.

Crônica de Tatiana Belinky

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