terça-feira, 23 de junho de 2009

Criando contingências favoráveis ao aumento da frequencia da leitura na primeira infância


Dalila Pereira de Sousa[1]
Palavras-chave: contingências, reforço positivo, leitura, infância.

Nunca se investiu tanto em educação como nos últimos tempos no Brasil, o que aparentemente pode ser apenas mais uma jogada de marketing dos nossos ilustres políticos, pode apresentar pontos positivos. É inegável que o crescimento de um país está vinculado ao nível de esclarecimento de sua população. Infelizmente nosso país está longe de atingir uma meta satisfatória na educação. Veremos que o percentual de pessoas que estão na condição de total analfabetismo tem diminuído consideravelmente em relação aos apontamentos da pesquisa realizada pelo INAF (Indicador de Analfabetismo Funcional) de 2001, onde 9% da população se enquadravam nessas condições. Porém a mesma pesquisa realizada em 2005 apontou uma diminuição de 2 pontos percentuais. Apesar disso, apenas 26% da população do Brasil, possui pleno domínio das habilidades de leitura e escrita.
Segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), analfabeto funcional é aquele que possui menos de quatro séries de estudo concluído, ou ainda, aquele que consegue escrever seu próprio nome, escrever e ler frases de baixa complexidade, e efetua cálculos básicos, porém, não está apto a dar sentido às palavras, colocar as idéias no papel por meio da escrita e resolver cálculos mais elaborados. Caruso (1999) define que, somente a compreensão dos signos e decodificação não é o suficiente, para se formar um bom leitor. Ler não é simplesmente saber decodificar signos, é construir sentido, um bom leitor é aquele que consegue metaforizar a respeito do texto fantástico, acolher aquilo que é implícito. Não basta se apropriar da noção de gêneros literários é preciso fazer uma leitura de mundo.
Como preparar nossas crianças para a vida competitiva que o novo modelo de mercado de trabalho impõe. É possível agregar competências leitoras sem o gosto pelo novo, sem o prazer de ler? Para Kramer (2000, p.19) “O Leitor leva rastos do vivido no momento da leitura para depois ou para fora do momento imediato, isso torna a leitura uma experiência”. É preciso mais que ensinar a ler os códigos, o leitor de hoje deve estar apto a ler e interpretar os textos, não somente com a função de atingir as metas necessárias para as exigências escolares, mas é preciso interpretar, fazer inferências. O leitor contemporâneo não deve ser um leitor neutro que assiste a um desfile de “palavras vazias” segundo Caruso:
É assim que a leitura se torna criativa e produtiva, pela descoberta dos sentidos do texto e a atribuição de outros. Do contrário, ela se torna apenas assistir a um desfile de letras, palavras e frases vazias, diante de olhos tão passivos, quanto sonolentos. Caruso (1999, p.3.)

A leitura é essencial para que as pessoas possam exercer seus direitos, para que trabalhem e contribuam com a sociedade de forma digna. Tanto na escola como em família, elas precisam ter contato com contingências favoráveis a leitura. Deste modo é necessário utilizar o reforço positivo, em todas as investidas possíveis da criança frente à leitura. Seu avanço como leitores reforçados positivamente podem construir um histórico favorável, para tanto o ambiente propício seja em sala de aula ou em família é um requisito indispensável. Segundo os indicadores da qualidade da educação:
Na escola, crianças e adolescentes precisam ter contato com diferentes textos, ouvir histórias, observar adultos lendo e escrevendo. Precisam participar de uma rotina de trabalho variada estimulante e, além disso, receber muito incentivo dos professores e da família... (Indicadores da Qualidade da Educação. P S.2006).

Seria conveniente para os professores e pais que a culpa das nossas crianças não se interessarem pelos livros, fossem da televisão, do mundo fascinante dos videogames e dos shoppings centers. Pennac (1993, p.52) diz que “A televisão é levada à dignidade de recompensa... e, ao contrário a leitura é reduzida ao nível de obrigação...” Não é como obrigação que devemos apresentar a uma criança a leitura, desta forma o comportamento de esquiva será privilegiado. Segundo Pennac “Uma criança não fica muito interessada em aperfeiçoar o instrumento com o qual ela é atormentada; mas façais com que este instrumento sirva a seus prazeres e ela irá logo se aplicar, apesar de vós”. (1993 p.53). Para Queirós, a habilidade de leitura e escrita deve ser modelada na primeira infância, mas para isso é preciso ter bons exemplos sociais e familiares.
Se a sociedade não é leitora, acho muito difícil a criança gostar de ler. Nem mesmo o professor é leitor. E o professor que não tem “hábito” de leitura não pode formar hábito de leitura... Não acho que vamos resolver o problema de leitura deixando a responsabilidade para a escola. A sociedade inteira deveria abraçar essa causa. (Queiroz, 2007 p 8, 9).

A leitura pode ser o flagelo da infância se não for apresentada de forma adequada para a criança. Como criar na criança o gosto pela leitura? Muitos professores lidam com essa difícil tarefa sem estarem realmente preparados para tal missão, não se trata de conhecimento acadêmico pedagógico, mas uma questão de contingências favoráveis ao longo da vida. Kramer (2000) relata experiências com professores a respeito da obrigatoriedade da leitura, mostra como estes profissionais construíram sua relação e o gosto de ler. Para Kramer (2000) muitos destes professores já gostaram de ler, porém este gosto foi diluído no processo do dia a dia. O professor que não é leitor, que não vive a realidade da leitura, poderá ensinar para seu aluno o gosto pela leitura? Associar o ato de ler ao prazer? O professor teria recursos para ajudar seu aluno a construir um hábito de leitura. Além de suas próprias barreiras o professor também pode encontrar na família contingências desaforáveis ao condicionamento do gosto pela leitura. A atuação do par parental é de extrema importância para reforçar os comportamentos relevantes à leitura, porém segundo Micheletto “A atuação dos pais em relação ao comportamento de estudar dos filhos podem se dar, pelo modelo de tríplice contingência, nas condições antecedentes ou conseqüentes a este comportamento”. (1999 p.252) Para Hubner (1999) as famílias podem ser classificadas em dois tipos as “pro-saber” as contingências e regras relativas à vida escolar de seus filhos favorecem um clima agradável e estimulador para a busca do conhecimento e família “anti-saber”, com contingências basicamente aversivas e regras que visam apenas o cumprimento de tarefas para obtenção de notas como cumprimento das obrigações.
Crianças cujas famílias possuem um controle de regras chamado por Gomide (2004) de supervisão estressante a relação familiar é irritadiça e hostil, os pais cobram dos filhos e esses por sua vez se justificam. O tom da comunicação verbal entre pais e filhos é sempre agressivo, o sentimento desta relação é a frustração os filhos sentem que nunca terão suas dificuldades compreendidas e os pais por sua vez nunca serão obedecidos como gostariam. Portanto, para que a leitura não tenha uma conotação aversiva é imprescindível que o leitor se sinta à vontade diante de um texto, seja ele um poema, história em quadrinho ou mesmo manual de instruções. Pela leitura a criança poderá interferir no mundo à sua volta. Para Pennac (1993) o leitor deve ter garantido seus direitos como: O direito de não ler. O direito de pular páginas. O direito de reler. O direito de ler em voz alta. O direito de se calar diante de um texto. A leitura deve ser o passaporte para o desconhecido o caminho para a liberdade, assim a leitura consciente é transformação, é mudança de postura, e possibilidade de se pensar em alguma mobilidade social.
Para Menezes (2007 p.35), “as crianças são curiosas por natureza, mas só aprendem se tiverem espaço para a participação. E isso só existe quando há conversa, fala e argumentação e não um ambiente de apatia”. Podemos aqui acrescentar ainda um ambiente de contingências aversivas à leitura, não contribui para o aumento do gosto pela leitura.





REFERÊNCIAS
GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar um Projeto de Pesquisa. 4 ed. São Paulo : Atlas, 1991. Cap.5, p.63.
GOMIDE, Paula Inez Cunha. Pais Presentes, pais ausentes: Regras e Limites / Paula Inez Cunha Comide – Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
HUBNER, Marta Maria Mackenzie - SOBRE COMPORTAMENTO E COGNIÇÃO: psicologia comportamental e Cognitiva: da reflexão teórica à diversidade da aplicação—ORG.Rachel Rodrigues Kerbawy e Regina Christina Wielenska 1ª ed. Santo André, SP: ARBytes, 1999.v.4
INDICADORES da Qualidade na Educação: dimensão Ensino e Aprendizagem da leitura e escrita/ Ação Educativa, SEB/ MEC (Coordenadores). São Paulo: Ação Educativa, 2006.
KRAMER, Sônia. Revista Presença Pedagógica. V.6 n 31.jan. /fev 2000.
MENEZES, Luís Carlos – Revista Nova Escola – Editora Moderna 2007.pg 35. Edição XXII N 207. Novembro.
MICHELLETO, Nilza - SOBRE COMPORTAMENTO E COGNIÇÃO: psicologia comportamental e Cognitiva: da reflexão teórica à diversidade da aplicação—ORG.Rachel Rodrigues Kerbawy e Regina Christina Wielenska 1ª ed. Santo André, SP: ARBytes, 1999.v.4
PENNAC, Daniel – Como um romance / Daniel Pennac; tradução de Leny Werneck – Rio de Janeiro: Racco,1993.
QUEIRÓS. Bartolomeu Campos de. Revista Presença Pedagógica. Editora Dimensão. V.13. N 78. Nov/dez, 2007.
Site da Unesco -
http://www.brasilia.unesco.org/ acessado em 04/11/08.
Site INAF_Indicador de analfabetismo Funcional.
http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.00.00.00&ver=por acessado em 21/10/2008.

[1] Estudante do 8º período do curso de Psicologia.

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