Do mistério para o conhecimento através da palavra
Prof. Zeferino – Universidade de Santo Amaro
Humildade, ‘modéstia’ – do latim humilitasatis – e também humilis (humilde ação), revela a essência do significado desta palavra. No âmbito da educação pode significar uma atitude, perante o desconhecido. Aquele que tudo, ou quase tudo, crê saber ou conhecer, é repleto de “certezas” a respeito do que, no fundo, desconhece. Confunde o “acho que” com o “é isso mesmo” e... pronto. Entre o senso comum e o conhecimento de base epistemológica residem processos que buscam construir um discurso a respeito de um objeto de conhecimento. Transitamos entre a Doxa (o conjunto das impressões primeiras a respeito de algo) e o Logos (aqui entendido como um discurso construído pela razão). Entre estes dois pólos que buscam enfrentar o desconhecido, encontra-se um processo de dialogicidade e problematização mediado pela palavra. Ler e escrever o mundo, eis a razão. Dizendo de outro modo, somos seres que trafegam pela vida diante do desconhecido. Por mais que se conheça a respeito de um assunto, ainda assim não se conhece o mesmo em toda sua plenitude e profundidade, aspecto que provavelmente motivou o filósofo Bertrand Russel a afirmar que “todo conhecimento é incerto, inexato e parcial”. Conhecemos cada vez mais, sobre cada vez menos, um processo contínuo/descontínuo de construção de especialistas e suas especialidades.
O mistério e o conhecimento andam de modo inseparável, mas o primeiro é incomparavelmente maior do que o segundo. O que sabemos afinal sobre o mundo? Nem dois milênios e meio que nos separam da Grécia, berço da filosofia ocidental, nem mesmo toda a ciência de Galileo, Newton, Einstein, Bohr e Darwin, somente para citar alguns dos referenciais fundamentais, dão conta do todo, de sua complexidade. Falta-nos uma meta semântica, porque estamos e somos imersos em mistério e assim sair do próprio mundo para compreendê-lo, ainda que nossa capacidade de abstração possa fazê-lo sob determinadas circunstâncias. Sempre que nos deparamos com algo que não conhecemos somos sensibilizados a construir hipóteses. Suponhamos como exemplo, que tenhamos recebido um presente de aniversário, numa embalagem fechada, e que nos tenham desafiado a adivinhar o que há dentro da caixa. O que faríamos? Sacudiríamos a caixa? Bateríamos com os dedos sobre ela? Estimaríamos o peso? Estudaríamos a forma? Enfim, que informações procuraríamos obter para ter pistas a respeito daquilo que se esconde dentro da caixa? Eis um aparentemente banal envolvimento direto com o mistério.
De fato, com tudo aquilo que desconhecemos e nos deparamos, ao longo da vida, temos “caixas fechadas”. Não sabemos, ao certo, o conteúdo de cada uma delas e procuramos investigar o mistério, de modo a poder formar uma idéia do que se trata. E, para isso, vamos nomeando as coisas, atribuindo-lhes significados – signos - cada vez mais conhecendo o objeto do saber, lançando luz sobre o desconhecido, pois por princípio estamos diante do mistério, porém sem jamais tê-lo em saber na sua totalidade. Podemos compreender que quando queremos conhecer algo começamos “achando que”, isto é, lançando hipóteses a respeito do que possa vir a ser o objeto de conhecimento. Somente através do percurso investigativo e reflexivo que vamos fazendo é que vamos construindo conhecimento a respeito do objeto do saber. Dito em outras palavras, caminhamos da doxa para o logos, isto é, do “eu acho que” para o “é provável que assim o seja, conforme se deduz ou se apresenta”. Quando, retomando ainda uma vez o exemplo do presente de aniversário, nos deparamos com o desconhecido, temos o objeto em si – o presente e a caixa onde o mesmo está guardado. É a curiosidade, na esfera de nossa interioridade, que nos motiva à descoberta! São fenômenos de natureza externa, mas também interna a nós mesmos; dimensões que se interpõem e interagem para a construção de novos saberes a respeito do desconhecido. Dizendo de outra forma, ampliamos e aprofundamos o conhecimento, como nova luz a brilhar, um sentimento que se traduz por uma centelha do reino dos céus; como metaforicamente diríamos, um insight no imponderável espaço-tempo-informação de nossa mente. No entanto, àquele que se recusa a perceber-se pobre em conhecimento, por confundir a doxa com o logos, por se julgar conhecedor a ponto de desprezar o mistério, o desconhecido, o novo, a este as trevas devem rondar. Representa nossas atitudes radicais, expressas por certezas dogmáticas, que não abrem chance à diversidade de opiniões e visões. Geralmente tais perfis tendem a ser violentos, impositivos e autoritários, criando ambientes hostis ao convívio, o que poderíamos dizer, tendendo a nos afastar da oportunidade de ignorar para conhecer.
É mesmo possível que grandes catástrofes histórico-sociais tiveram suas causas fundamentadas em interesses particulares e convicções que se radicalizaram, o que dá no mesmo dizer, fundamentadas nas ilusões de uma ideologia ou de um momento. Aqui nascem os penares e os pesares inevitáveis que podem variar desde grandes dramas vividos por uma nação, até ao cotidiano de uma sala de aula ou do recinto de um lar, ambientes nem sempre tão acolhedores quando o deveriam ser. De pensamentos a palavras e destas e com estas a gestos e atitudes que demarcarão a tênue linha entre o bem que se faz e o mal que não se quer viver é que caminhamos, tropeçamos, caímos nos erguemos, vivemos e também morremos. A palavra constrói e descortina mundos, derruba imensos edifícios, representa estados da alma, compõe, canta e dança também; é música suave ao ouvido e também o tremor de um terremoto. Doce e encantadora, também machuca, fere e mata. Dá-nos a viver e a conhecer o mundo, mas quando amarrada no corpo pode nos fazer adoecer... É nossa mais intensa expressão e dela somos produto; com ela construímos a cultura e através dela geramos esperança, mas também frustrações e tudo mais.
Como crianças que se encantam ao tocar seixos na praia, ouvir a música do vento, ou ver o arco-íris e ficarem tomadas pela curiosidade que lhes motiva a experimentar e a indagar sobre estes mistérios, assim também nos permitamos viver como seres do conhecimento ganhando a cada instante o reino dos céus, reservado para aqueles que têm a coragem de reconhecer que muito pouco sabem.
Referências bibliográficas
Novo Testamento 5 Mateus 3.
CARVALHO NETO, C. Z. & MELO, M. T. E agora, professor?
Por uma Pedagogia Vivencial. São Paulo, IFCE: 2004.
Prof. Zeferino – Universidade de Santo Amaro
Humildade, ‘modéstia’ – do latim humilitasatis – e também humilis (humilde ação), revela a essência do significado desta palavra. No âmbito da educação pode significar uma atitude, perante o desconhecido. Aquele que tudo, ou quase tudo, crê saber ou conhecer, é repleto de “certezas” a respeito do que, no fundo, desconhece. Confunde o “acho que” com o “é isso mesmo” e... pronto. Entre o senso comum e o conhecimento de base epistemológica residem processos que buscam construir um discurso a respeito de um objeto de conhecimento. Transitamos entre a Doxa (o conjunto das impressões primeiras a respeito de algo) e o Logos (aqui entendido como um discurso construído pela razão). Entre estes dois pólos que buscam enfrentar o desconhecido, encontra-se um processo de dialogicidade e problematização mediado pela palavra. Ler e escrever o mundo, eis a razão. Dizendo de outro modo, somos seres que trafegam pela vida diante do desconhecido. Por mais que se conheça a respeito de um assunto, ainda assim não se conhece o mesmo em toda sua plenitude e profundidade, aspecto que provavelmente motivou o filósofo Bertrand Russel a afirmar que “todo conhecimento é incerto, inexato e parcial”. Conhecemos cada vez mais, sobre cada vez menos, um processo contínuo/descontínuo de construção de especialistas e suas especialidades.
O mistério e o conhecimento andam de modo inseparável, mas o primeiro é incomparavelmente maior do que o segundo. O que sabemos afinal sobre o mundo? Nem dois milênios e meio que nos separam da Grécia, berço da filosofia ocidental, nem mesmo toda a ciência de Galileo, Newton, Einstein, Bohr e Darwin, somente para citar alguns dos referenciais fundamentais, dão conta do todo, de sua complexidade. Falta-nos uma meta semântica, porque estamos e somos imersos em mistério e assim sair do próprio mundo para compreendê-lo, ainda que nossa capacidade de abstração possa fazê-lo sob determinadas circunstâncias. Sempre que nos deparamos com algo que não conhecemos somos sensibilizados a construir hipóteses. Suponhamos como exemplo, que tenhamos recebido um presente de aniversário, numa embalagem fechada, e que nos tenham desafiado a adivinhar o que há dentro da caixa. O que faríamos? Sacudiríamos a caixa? Bateríamos com os dedos sobre ela? Estimaríamos o peso? Estudaríamos a forma? Enfim, que informações procuraríamos obter para ter pistas a respeito daquilo que se esconde dentro da caixa? Eis um aparentemente banal envolvimento direto com o mistério.
De fato, com tudo aquilo que desconhecemos e nos deparamos, ao longo da vida, temos “caixas fechadas”. Não sabemos, ao certo, o conteúdo de cada uma delas e procuramos investigar o mistério, de modo a poder formar uma idéia do que se trata. E, para isso, vamos nomeando as coisas, atribuindo-lhes significados – signos - cada vez mais conhecendo o objeto do saber, lançando luz sobre o desconhecido, pois por princípio estamos diante do mistério, porém sem jamais tê-lo em saber na sua totalidade. Podemos compreender que quando queremos conhecer algo começamos “achando que”, isto é, lançando hipóteses a respeito do que possa vir a ser o objeto de conhecimento. Somente através do percurso investigativo e reflexivo que vamos fazendo é que vamos construindo conhecimento a respeito do objeto do saber. Dito em outras palavras, caminhamos da doxa para o logos, isto é, do “eu acho que” para o “é provável que assim o seja, conforme se deduz ou se apresenta”. Quando, retomando ainda uma vez o exemplo do presente de aniversário, nos deparamos com o desconhecido, temos o objeto em si – o presente e a caixa onde o mesmo está guardado. É a curiosidade, na esfera de nossa interioridade, que nos motiva à descoberta! São fenômenos de natureza externa, mas também interna a nós mesmos; dimensões que se interpõem e interagem para a construção de novos saberes a respeito do desconhecido. Dizendo de outra forma, ampliamos e aprofundamos o conhecimento, como nova luz a brilhar, um sentimento que se traduz por uma centelha do reino dos céus; como metaforicamente diríamos, um insight no imponderável espaço-tempo-informação de nossa mente. No entanto, àquele que se recusa a perceber-se pobre em conhecimento, por confundir a doxa com o logos, por se julgar conhecedor a ponto de desprezar o mistério, o desconhecido, o novo, a este as trevas devem rondar. Representa nossas atitudes radicais, expressas por certezas dogmáticas, que não abrem chance à diversidade de opiniões e visões. Geralmente tais perfis tendem a ser violentos, impositivos e autoritários, criando ambientes hostis ao convívio, o que poderíamos dizer, tendendo a nos afastar da oportunidade de ignorar para conhecer.
É mesmo possível que grandes catástrofes histórico-sociais tiveram suas causas fundamentadas em interesses particulares e convicções que se radicalizaram, o que dá no mesmo dizer, fundamentadas nas ilusões de uma ideologia ou de um momento. Aqui nascem os penares e os pesares inevitáveis que podem variar desde grandes dramas vividos por uma nação, até ao cotidiano de uma sala de aula ou do recinto de um lar, ambientes nem sempre tão acolhedores quando o deveriam ser. De pensamentos a palavras e destas e com estas a gestos e atitudes que demarcarão a tênue linha entre o bem que se faz e o mal que não se quer viver é que caminhamos, tropeçamos, caímos nos erguemos, vivemos e também morremos. A palavra constrói e descortina mundos, derruba imensos edifícios, representa estados da alma, compõe, canta e dança também; é música suave ao ouvido e também o tremor de um terremoto. Doce e encantadora, também machuca, fere e mata. Dá-nos a viver e a conhecer o mundo, mas quando amarrada no corpo pode nos fazer adoecer... É nossa mais intensa expressão e dela somos produto; com ela construímos a cultura e através dela geramos esperança, mas também frustrações e tudo mais.
Como crianças que se encantam ao tocar seixos na praia, ouvir a música do vento, ou ver o arco-íris e ficarem tomadas pela curiosidade que lhes motiva a experimentar e a indagar sobre estes mistérios, assim também nos permitamos viver como seres do conhecimento ganhando a cada instante o reino dos céus, reservado para aqueles que têm a coragem de reconhecer que muito pouco sabem.
Referências bibliográficas
Novo Testamento 5 Mateus 3.
CARVALHO NETO, C. Z. & MELO, M. T. E agora, professor?
Por uma Pedagogia Vivencial. São Paulo, IFCE: 2004.
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