Dalila Pereira
A violência urbana tem ocasionado a morte de milhares de pessoas, muitas vezes não nos atentamos para os fatores que conduziram a tal situação. No entanto, podemos explicar tal fenômeno de acordo com o senso comum, colocando a culpa do problema somente no crescimento urbano desordenado, por exemplo, ou no acelerado processo de êxodo rural, nas grandes cidades brasileiras. Estes fatos podem também ser determinantes para a proliferação da violência e da marginalidade na atualidade. Porém, segundo leitura do texto de Barreto (2006), Freud acredita que todos os homens carregam tendências destrutivas anti-sociais e anti-culturais. Além disso, afirma que a manutenção da cultura está na renúncia da satisfação das pulsões sexuais destrutivas e no amor ao trabalho. Para tanto, o indivíduo precisa suportar esses sacrifícios acabando por se tornar inimigo singular da civilização. Para Barreto (2006):
“A imposição é inevitável, devido a duas características amplamente difundidas entre os homens; a falta de amor ao trabalho e a ineficácia dos argumentos contra as paixões. Indolentes e pouco lúcidas, as massas não aceitam espontaneamente os esforços e privações imprescindíveis à perduração da cultura”. (BARRETO, 2006)
Desta forma, para se ter civilização precisamos de indivíduos que são contrários a ela, e ainda dominados por uma maioria que contém os meios. Assim, fica evidente a divisão de classes sociais, essa demarcação faz com que os indivíduos com poucos recursos, sejam oprimidos. Essa opressão poderá criar uma revolta gerando uma hostilidade contra a própria civilização, que por outro lado é mantida com o trabalho destes indivíduos.
Como já dito, Freud afirma que todos os homens possuem tendências destrutivas que são inerentes ao humano, ou seja, os homens são na verdade indivíduos anti-sociais e anti- culturais que precisam negar suas pulsões, domar seus desejos para se tornarem sujeitos sociais, para fazerem parte da civilização. Por sua vez, como recompensa pelos sacrifícios dos sujeitos à civilização deverá dar algo em troca, o que muitas vezes não corresponderá às expectativas deste. Fato que poderá ser mais uma fonte de frustração, também uma fonte de revolta contra a própria civilização. Porém, a civilização pode contar com ajuda de um agente interno, regulador das pulsões, o Supereu. Esse representante da lei paterna tem o mesmo propósito da civilização, regular o indivíduo. Ele precisa conter o sujeito, fazendo que ele renuncie ao gozo provocado quando se dá vazão a satisfação pulsional. O Supereu regula tanto a ação quanto à intenção, causando um mal-estar sem explicação e uma grande culpa. A favor da civilização temos também os ideais culturais que, para Barreto (2006), com estes até os mais oprimidos são beneficiados.
Um segundo e poderoso fator, um dos que com maior êxito neutraliza a hostilidade adversa, é a criação de idéias culturais. Todos os elementos de uma determinada cultura ou unidade cultural saem beneficiados. Mesmo os mais oprimidos são compensados pela satisfação narcísica de poder depreciar os que não pertencem à sua cultura. (BARRETO, 2006)
Os ideais culturais podem ser para os oprimidos, uma válvula de escape para as pressões e frustrações sofridas ao longo dos tempos. A civilização utiliza deste poder de colocar o sujeito como seu aliado em suas questões. O povo mesmo estando sempre às voltas com a civilização, por suas cobranças de posturas, pode sair da posição de insatisfação em momentos como jogos olímpicos. Este é um exemplo onde as pessoas mesmo sendo sufocadas por impostos, divida e todo o tipo de problemas, vive intensamente um enorme amor pela pátria, defende veementemente sua civilização em detrimento de outras culturas, experimenta o gosto de fazer parte dela. Outro elemento que faz parte da constituição e do equilíbrio da civilização são as representações religiosas. Barreto (2006) diz que “... um acervo de ilusões, cuja finalidade é proteger os homens contra os perigos da natureza e do destino e contra os danos da própria vida em sociedade, conjurando-lhes o insuportável sentimento de impotência e desamparo”.
Além de todos os dispositivos apresentados para manter o homem como um sujeito civilizado, obedecendo à civilização e servindo a ela, temos ainda as novas configurações familiares. De acordo Laia (2006), nossa sociedade passa pela transformação de uma sociedade patriarcal para uma sociedade matriarcal, onde a função paterna reguladora do gozo está enfraquecida sendo até anulada em alguns casos. O problema do domínio materno é que diante da demissão da lei paterna, a mãe mesmo sabendo dos problemas do seu filho frente à sociedade, como violência, infração de regras, dentre outros, acaba por acolher o sujeito. Este fica então sem a interdição necessária, protegida pela mãe, da sociedade que quer puni-lo. Temos então um novo desafio: como conter a violência numa sociedade matriarcal, trazendo novamente à tona a referência paterna, em detrimento do domínio materno?
Laia (2006) formula duas hipóteses a respeito da nova conjuntura da sociedade matriarcal. Uma delas passa por Durkheim com o conceito de anomia. Trata-se da ausência ou desintegração de normas sociais, uma falha da transmissão na subjetividade do sujeito não realizada pela família. Segundo Lacan, apontado no texto de Laia (2006), o sujeito tenta ganhar visibilidade cometendo uma transgressão. Ainda diz que:
“(...) o ato violento pode se configurar como um “modo de subjetivação”, uma tentativa de “ganhar visibilidade”, um esforço de um sujeito “ se dar um nome”, ainda que paradoxalmente, em muitos casos, ao preço da morte – literalmente, do “apagamento” e da “ anulação” a mais decisiva – daquele que o comete.” (LAIA,2006).
Segundo Laia (2006), em sua outra hipótese, acredita que a psicanálise tem muito a contribuir para a não violência, na elaboração e sustentação das políticas publicas não somente para fazer uma função paterna, ou melhor, repor uma função paterna, mas como o OUTRO da lei, impondo uma barreira que na verdade é solicitada pelo sujeito. Para o autor, a mãe fica sozinha com a criança quando o pai não cumpre seu papel. Essa mãe precisa então se encarregar de passar para os filhos uma articulação entre o desejo e a lei, ela precisa garantir uma transmissão subjetiva para a criança, barrá-la em relação a seus desejos que infrinjam as leis da sociedade. Essa mãe terá que passar por cima dos seus próprios desejos de proteger seu filho para ensiná-lo a respeitar as leis.
Programas criados pela sociedade como o FICA VIVO! buscam superar velhos métodos de políticas publicas de segurança, ao combinar ações repressivas com ações de prevenção, o que torna em certa medida uma ação inovadora. Estes programas buscam o envolvimento da comunidade, tanto na elaboração de estratégias como na implementação destes. O teatro realizado pelo Grupo FICA VIVO!, por exemplo, é uma forma clara de prevenção trabalhada com os jovens da comunidade. No espetáculo apresentado na faculdade “Não morre um homem, morre uma história”, os jovens passam a mensagem de que a violência está para todos, as vitimas não tem raça, credo, ou mesmo um nível social. Estamos todos à mercê desta verdadeira onda, que quando passa arrasta pais de família, filhos, crianças, pessoas de bem ou não. Pela arte do teatro os jovens atores e a platéia entram em contato com o que a violência tem para oferecer, a morte.
Cabe a nós psicólogos entender essa dinâmica social e não sermos ingênuos a ponto de criticar a violência a partir de fatos e dados do senso comum, mas sim a partir de uma leitura mais profunda da questão, verificando todas as cartas em jogo, avaliando desde a concepção de Freud que o homem possui características inatas até as pontuações e hipóteses de Laia.
Referências Bibliográficas
BARRETO, Francisco Paes. Psicanálise e violência urbana. Caderno Pensar. Jornal Estado de Minas, 24 de junho de 2006.
LAIA, Sérgio. Demissão do pai, domínio da mãe e violência urbana. Uma contribuição para a investigação sobre a “perversão generalizada”. 2006.
“A imposição é inevitável, devido a duas características amplamente difundidas entre os homens; a falta de amor ao trabalho e a ineficácia dos argumentos contra as paixões. Indolentes e pouco lúcidas, as massas não aceitam espontaneamente os esforços e privações imprescindíveis à perduração da cultura”. (BARRETO, 2006)
Desta forma, para se ter civilização precisamos de indivíduos que são contrários a ela, e ainda dominados por uma maioria que contém os meios. Assim, fica evidente a divisão de classes sociais, essa demarcação faz com que os indivíduos com poucos recursos, sejam oprimidos. Essa opressão poderá criar uma revolta gerando uma hostilidade contra a própria civilização, que por outro lado é mantida com o trabalho destes indivíduos.
Como já dito, Freud afirma que todos os homens possuem tendências destrutivas que são inerentes ao humano, ou seja, os homens são na verdade indivíduos anti-sociais e anti- culturais que precisam negar suas pulsões, domar seus desejos para se tornarem sujeitos sociais, para fazerem parte da civilização. Por sua vez, como recompensa pelos sacrifícios dos sujeitos à civilização deverá dar algo em troca, o que muitas vezes não corresponderá às expectativas deste. Fato que poderá ser mais uma fonte de frustração, também uma fonte de revolta contra a própria civilização. Porém, a civilização pode contar com ajuda de um agente interno, regulador das pulsões, o Supereu. Esse representante da lei paterna tem o mesmo propósito da civilização, regular o indivíduo. Ele precisa conter o sujeito, fazendo que ele renuncie ao gozo provocado quando se dá vazão a satisfação pulsional. O Supereu regula tanto a ação quanto à intenção, causando um mal-estar sem explicação e uma grande culpa. A favor da civilização temos também os ideais culturais que, para Barreto (2006), com estes até os mais oprimidos são beneficiados.
Um segundo e poderoso fator, um dos que com maior êxito neutraliza a hostilidade adversa, é a criação de idéias culturais. Todos os elementos de uma determinada cultura ou unidade cultural saem beneficiados. Mesmo os mais oprimidos são compensados pela satisfação narcísica de poder depreciar os que não pertencem à sua cultura. (BARRETO, 2006)
Os ideais culturais podem ser para os oprimidos, uma válvula de escape para as pressões e frustrações sofridas ao longo dos tempos. A civilização utiliza deste poder de colocar o sujeito como seu aliado em suas questões. O povo mesmo estando sempre às voltas com a civilização, por suas cobranças de posturas, pode sair da posição de insatisfação em momentos como jogos olímpicos. Este é um exemplo onde as pessoas mesmo sendo sufocadas por impostos, divida e todo o tipo de problemas, vive intensamente um enorme amor pela pátria, defende veementemente sua civilização em detrimento de outras culturas, experimenta o gosto de fazer parte dela. Outro elemento que faz parte da constituição e do equilíbrio da civilização são as representações religiosas. Barreto (2006) diz que “... um acervo de ilusões, cuja finalidade é proteger os homens contra os perigos da natureza e do destino e contra os danos da própria vida em sociedade, conjurando-lhes o insuportável sentimento de impotência e desamparo”.
Além de todos os dispositivos apresentados para manter o homem como um sujeito civilizado, obedecendo à civilização e servindo a ela, temos ainda as novas configurações familiares. De acordo Laia (2006), nossa sociedade passa pela transformação de uma sociedade patriarcal para uma sociedade matriarcal, onde a função paterna reguladora do gozo está enfraquecida sendo até anulada em alguns casos. O problema do domínio materno é que diante da demissão da lei paterna, a mãe mesmo sabendo dos problemas do seu filho frente à sociedade, como violência, infração de regras, dentre outros, acaba por acolher o sujeito. Este fica então sem a interdição necessária, protegida pela mãe, da sociedade que quer puni-lo. Temos então um novo desafio: como conter a violência numa sociedade matriarcal, trazendo novamente à tona a referência paterna, em detrimento do domínio materno?
Laia (2006) formula duas hipóteses a respeito da nova conjuntura da sociedade matriarcal. Uma delas passa por Durkheim com o conceito de anomia. Trata-se da ausência ou desintegração de normas sociais, uma falha da transmissão na subjetividade do sujeito não realizada pela família. Segundo Lacan, apontado no texto de Laia (2006), o sujeito tenta ganhar visibilidade cometendo uma transgressão. Ainda diz que:
“(...) o ato violento pode se configurar como um “modo de subjetivação”, uma tentativa de “ganhar visibilidade”, um esforço de um sujeito “ se dar um nome”, ainda que paradoxalmente, em muitos casos, ao preço da morte – literalmente, do “apagamento” e da “ anulação” a mais decisiva – daquele que o comete.” (LAIA,2006).
Segundo Laia (2006), em sua outra hipótese, acredita que a psicanálise tem muito a contribuir para a não violência, na elaboração e sustentação das políticas publicas não somente para fazer uma função paterna, ou melhor, repor uma função paterna, mas como o OUTRO da lei, impondo uma barreira que na verdade é solicitada pelo sujeito. Para o autor, a mãe fica sozinha com a criança quando o pai não cumpre seu papel. Essa mãe precisa então se encarregar de passar para os filhos uma articulação entre o desejo e a lei, ela precisa garantir uma transmissão subjetiva para a criança, barrá-la em relação a seus desejos que infrinjam as leis da sociedade. Essa mãe terá que passar por cima dos seus próprios desejos de proteger seu filho para ensiná-lo a respeitar as leis.
Programas criados pela sociedade como o FICA VIVO! buscam superar velhos métodos de políticas publicas de segurança, ao combinar ações repressivas com ações de prevenção, o que torna em certa medida uma ação inovadora. Estes programas buscam o envolvimento da comunidade, tanto na elaboração de estratégias como na implementação destes. O teatro realizado pelo Grupo FICA VIVO!, por exemplo, é uma forma clara de prevenção trabalhada com os jovens da comunidade. No espetáculo apresentado na faculdade “Não morre um homem, morre uma história”, os jovens passam a mensagem de que a violência está para todos, as vitimas não tem raça, credo, ou mesmo um nível social. Estamos todos à mercê desta verdadeira onda, que quando passa arrasta pais de família, filhos, crianças, pessoas de bem ou não. Pela arte do teatro os jovens atores e a platéia entram em contato com o que a violência tem para oferecer, a morte.
Cabe a nós psicólogos entender essa dinâmica social e não sermos ingênuos a ponto de criticar a violência a partir de fatos e dados do senso comum, mas sim a partir de uma leitura mais profunda da questão, verificando todas as cartas em jogo, avaliando desde a concepção de Freud que o homem possui características inatas até as pontuações e hipóteses de Laia.
Referências Bibliográficas
BARRETO, Francisco Paes. Psicanálise e violência urbana. Caderno Pensar. Jornal Estado de Minas, 24 de junho de 2006.
LAIA, Sérgio. Demissão do pai, domínio da mãe e violência urbana. Uma contribuição para a investigação sobre a “perversão generalizada”. 2006.
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