quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Hiperatividade e os vários discursos




Dalila Pereira1
O tema hiperatividade está em voga atualmente nas escolas e nas Instituições de Ensino em geral. O grande problema é o tratamento dado às crianças e as famílias quando surge a questão. Como é feito o encaminhamento da criança e mais importante com é reportado aos pais pela escola a situação, melhor dizendo a suspeita que de seu filho precisa de um acompanhamento multidisciplinar.
Tudo está transcorrendo dentro da normalidade na vida da criança, até que ela vai para escola, lá ela é submetida há inúmeras regras de boa convivência, que serão base para socialização da mesma. Então, sem nenhuma preparação os pais são comunicados que precisa comparecer a escola para uma reunião, cujo assunto é o comportamento inadequado de seu filho. Primeiramente, porque até então não havia nada de errado com seu comportamento, ele é apenas um menino um pouco mais agitado ou levado que os outros. Segundo, porque a escola na maioria dos casos aponta o problema, mas, não apresenta um caminho a ser trilhado, para que o sofrimento da criança e da família seja minimizado.
A escola muitas vezes fica com a missão de repassar essa informação para os pais, porém deve-se pensar em uma maneira adequada, pois, quando isso não acontece toma uma proporção muito maior, causando mais sofrimento e ansiedade na família. Em uma oportunidade recente acompanhei de perto um caso, onde a mãe foi convocada pela escola para uma reunião e informada das suspeitas de que seu filho pudesse ter o transtorno de Hiperatividade (ADHD). Ela assiste uma fita gravada na escola, onde mostra o comportamento de seu filho com os colegas de classe. Segundo o relato da mãe foi uma experiência muito sofrida, além de ser informada que havia algo de errado com seu filho, a escola não sabia muito bem o que indicar para ela. Como ela deveria proceder diante da situação, quais as providências tomar. Seria melhor procurar um médico psiquiatra, um psicólogo comportamental, ou mesmo colocá-lo para fazer quem sabe algum esporte. Segundo a mãe a sensação foi de enorme impotência diante de um fato, apresentado pela escola. O que podemos cogitar com essa situação é que a escola possui profissionais que são capazes de identificar os alunos que supostamente tem o ADHD( Perturbação por Déficit de atenção e hiperatividade), mas não sabem dar um direcionamento paras as famílias após as suspeitas.
O discurso predominante atualmente para ADHD é o da medicina, que afirma que as pessoas que possuem este transtorno são nasceram com uma disfunção no cérebro, melhor dizendo no lobo frontal, trata-se de um transtorno químico, causado pela baixa de dois neurotrasmissores: a dopamina e a noradrenalina. Segundo a medicina o problema não tem haver com a inteligência, mas com a perda de foco de objetividade, as pessoas com esse transtorno não fixam sua atenção e tem dificuldades em definir prioridades, e ainda terminar dar continuidade as tarefas que se propõem a executar. O tratamento médico para o transtorno são o metilfenidato (a Ritalina), e a bupropiona, ou ainda a atomoxetina que é um tipo de anti-depressivo em conjunto com a terapia – comportamental.
Temos o discurso da psipedagogia que se limita ao um diagnóstico de suspeita do transtorno, ou seja, a criança é observada em suas atividades em sala de aula, suas interações com os colegas e entrevistas com os pais. É avaliado também o rendimento escolar e o desenvolvimento da criança comparado com outras. Os psicopedagógos não devem fazer um diagnóstico, apenas apresentam aos pais uma suspeita e um pedido para o encaminhamento da criança para um profissional avaliar.
A psicanálise segundo Pretes, tem muito a contribuir no tratamento dos casos de ADHD pois o problema não é mais tratado como sendo ao biológico, mas motivos ambientais podem ser a causa do problema. Segundo o autor tanto a família quanto escola são lugares onde os sujeitos entram em contato com a ordem e com a disciplina, e a escola assume o lugar dos pais nesta missão de ordenar, e disciplinar o sujeito. Desta forma, as crianças que tentam burlar as regras impostas estão fazendo emergir o sujeito inconsciente, e pode ser na escola que este pode aparecer com maior força, e quando confrontado surgir o sintoma. Neste ponto para Prestes, o discurso médico tende a falhar, porque segundo ele o encontro sexual não entre os falantes é ditado pelo mal-entendido e pela contingência. As respostas para as indagações das crianças serão sempre insuficientes, não se sustentam por muito tempo. A sexualidade para as crianças será sempre um grande enigma, e será nesta falta do saber a respeito da verdade do sexo que aparecerá o sintoma. Este sintoma é na verdade algo implícito na realidade do casal, algo velado que não se pode mesmo saber ou não se quer saber.
A criança serve de objeto para sua mãe e sua mãe é objeto do pai, porém a criança divide a mãe é papel de o pai fazer a interdição nesse gozo, impedindo a completude da mãe com a criança. Mas, mãe deve permitir a entrar deste Outro, o pai deve ter permissão da mãe para entrar, a mãe toda fálica tem dificuldades em aceitar que seu papel não é ficar parado no gozo com a criança. Para que a criança seja advertida que a mãe não é só dela, o pai deve dividir essa mãe, se o pai não cumpre esse papel pra com a mãe cabe ao filho fazê-lo. Então uma criança com esse papel pode desenvolver como sintoma a condição de hiperatividade. Essa criança hiperativa tende a se movimentar muito segundo o autor, ela está à procura do limite da castração paterna. Esse sujeito fica as voltas com sua falta de medida.
Desde modo é preciso primeiramente antes de tudo avaliar todo o contexto no qual a criança está inserida, para que não se cometam falhas no diagnostico e no encaminhamento para um tratamento. Segundo a psicanálise a cura de uma criança com este transtorno seria deslocar a criança da posição de objeto de desejo da mãe, tirá-la do lugar de sintoma da família para que ela possa encarregar de seu próprio sintoma, emergindo então o sujeito desejante.












Referências:
Site Banco de saúde: http://www.bancodesaude.com.br/tdah/tdah acesso em 12/10/09.

Site da Revista VEJA, entrevista com a Psiquiatra: Ana Beatriz, http://veja.abril.com.br/300909/eu-achava-burra-p-019.shtml. Sobre ADHD( Perturbação por Déficit de atenção e hiperatividade).

Texto: PRESTES, Cwaigman Sérgio. A criança perverso-polimorfa e a hiperatividade. Psicanalista – Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise – RJ. Doutor em Psicologia – IP/UFRJ.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Psicanálise e Violência Urbana



Dalila Pereira

A violência urbana tem ocasionado a morte de milhares de pessoas, muitas vezes não nos atentamos para os fatores que conduziram a tal situação. No entanto, podemos explicar tal fenômeno de acordo com o senso comum, colocando a culpa do problema somente no crescimento urbano desordenado, por exemplo, ou no acelerado processo de êxodo rural, nas grandes cidades brasileiras. Estes fatos podem também ser determinantes para a proliferação da violência e da marginalidade na atualidade. Porém, segundo leitura do texto de Barreto (2006), Freud acredita que todos os homens carregam tendências destrutivas anti-sociais e anti-culturais. Além disso, afirma que a manutenção da cultura está na renúncia da satisfação das pulsões sexuais destrutivas e no amor ao trabalho. Para tanto, o indivíduo precisa suportar esses sacrifícios acabando por se tornar inimigo singular da civilização. Para Barreto (2006):

“A imposição é inevitável, devido a duas características amplamente difundidas entre os homens; a falta de amor ao trabalho e a ineficácia dos argumentos contra as paixões. Indolentes e pouco lúcidas, as massas não aceitam espontaneamente os esforços e privações imprescindíveis à perduração da cultura”. (BARRETO, 2006)

Desta forma, para se ter civilização precisamos de indivíduos que são contrários a ela, e ainda dominados por uma maioria que contém os meios. Assim, fica evidente a divisão de classes sociais, essa demarcação faz com que os indivíduos com poucos recursos, sejam oprimidos. Essa opressão poderá criar uma revolta gerando uma hostilidade contra a própria civilização, que por outro lado é mantida com o trabalho destes indivíduos.

Como já dito, Freud afirma que todos os homens possuem tendências destrutivas que são inerentes ao humano, ou seja, os homens são na verdade indivíduos anti-sociais e anti- culturais que precisam negar suas pulsões, domar seus desejos para se tornarem sujeitos sociais, para fazerem parte da civilização. Por sua vez, como recompensa pelos sacrifícios dos sujeitos à civilização deverá dar algo em troca, o que muitas vezes não corresponderá às expectativas deste. Fato que poderá ser mais uma fonte de frustração, também uma fonte de revolta contra a própria civilização. Porém, a civilização pode contar com ajuda de um agente interno, regulador das pulsões, o Supereu. Esse representante da lei paterna tem o mesmo propósito da civilização, regular o indivíduo. Ele precisa conter o sujeito, fazendo que ele renuncie ao gozo provocado quando se dá vazão a satisfação pulsional. O Supereu regula tanto a ação quanto à intenção, causando um mal-estar sem explicação e uma grande culpa. A favor da civilização temos também os ideais culturais que, para Barreto (2006), com estes até os mais oprimidos são beneficiados.

Um segundo e poderoso fator, um dos que com maior êxito neutraliza a hostilidade adversa, é a criação de idéias culturais. Todos os elementos de uma determinada cultura ou unidade cultural saem beneficiados. Mesmo os mais oprimidos são compensados pela satisfação narcísica de poder depreciar os que não pertencem à sua cultura. (BARRETO, 2006)

Os ideais culturais podem ser para os oprimidos, uma válvula de escape para as pressões e frustrações sofridas ao longo dos tempos. A civilização utiliza deste poder de colocar o sujeito como seu aliado em suas questões. O povo mesmo estando sempre às voltas com a civilização, por suas cobranças de posturas, pode sair da posição de insatisfação em momentos como jogos olímpicos. Este é um exemplo onde as pessoas mesmo sendo sufocadas por impostos, divida e todo o tipo de problemas, vive intensamente um enorme amor pela pátria, defende veementemente sua civilização em detrimento de outras culturas, experimenta o gosto de fazer parte dela. Outro elemento que faz parte da constituição e do equilíbrio da civilização são as representações religiosas. Barreto (2006) diz que “... um acervo de ilusões, cuja finalidade é proteger os homens contra os perigos da natureza e do destino e contra os danos da própria vida em sociedade, conjurando-lhes o insuportável sentimento de impotência e desamparo”.

Além de todos os dispositivos apresentados para manter o homem como um sujeito civilizado, obedecendo à civilização e servindo a ela, temos ainda as novas configurações familiares. De acordo Laia (2006), nossa sociedade passa pela transformação de uma sociedade patriarcal para uma sociedade matriarcal, onde a função paterna reguladora do gozo está enfraquecida sendo até anulada em alguns casos. O problema do domínio materno é que diante da demissão da lei paterna, a mãe mesmo sabendo dos problemas do seu filho frente à sociedade, como violência, infração de regras, dentre outros, acaba por acolher o sujeito. Este fica então sem a interdição necessária, protegida pela mãe, da sociedade que quer puni-lo. Temos então um novo desafio: como conter a violência numa sociedade matriarcal, trazendo novamente à tona a referência paterna, em detrimento do domínio materno?

Laia (2006) formula duas hipóteses a respeito da nova conjuntura da sociedade matriarcal. Uma delas passa por Durkheim com o conceito de anomia. Trata-se da ausência ou desintegração de normas sociais, uma falha da transmissão na subjetividade do sujeito não realizada pela família. Segundo Lacan, apontado no texto de Laia (2006), o sujeito tenta ganhar visibilidade cometendo uma transgressão. Ainda diz que:

“(...) o ato violento pode se configurar como um “modo de subjetivação”, uma tentativa de “ganhar visibilidade”, um esforço de um sujeito “ se dar um nome”, ainda que paradoxalmente, em muitos casos, ao preço da morte – literalmente, do “apagamento” e da “ anulação” a mais decisiva – daquele que o comete.” (LAIA,2006).

Segundo Laia (2006), em sua outra hipótese, acredita que a psicanálise tem muito a contribuir para a não violência, na elaboração e sustentação das políticas publicas não somente para fazer uma função paterna, ou melhor, repor uma função paterna, mas como o OUTRO da lei, impondo uma barreira que na verdade é solicitada pelo sujeito. Para o autor, a mãe fica sozinha com a criança quando o pai não cumpre seu papel. Essa mãe precisa então se encarregar de passar para os filhos uma articulação entre o desejo e a lei, ela precisa garantir uma transmissão subjetiva para a criança, barrá-la em relação a seus desejos que infrinjam as leis da sociedade. Essa mãe terá que passar por cima dos seus próprios desejos de proteger seu filho para ensiná-lo a respeitar as leis.

Programas criados pela sociedade como o FICA VIVO! buscam superar velhos métodos de políticas publicas de segurança, ao combinar ações repressivas com ações de prevenção, o que torna em certa medida uma ação inovadora. Estes programas buscam o envolvimento da comunidade, tanto na elaboração de estratégias como na implementação destes. O teatro realizado pelo Grupo FICA VIVO!, por exemplo, é uma forma clara de prevenção trabalhada com os jovens da comunidade. No espetáculo apresentado na faculdade “Não morre um homem, morre uma história”, os jovens passam a mensagem de que a violência está para todos, as vitimas não tem raça, credo, ou mesmo um nível social. Estamos todos à mercê desta verdadeira onda, que quando passa arrasta pais de família, filhos, crianças, pessoas de bem ou não. Pela arte do teatro os jovens atores e a platéia entram em contato com o que a violência tem para oferecer, a morte.

Cabe a nós psicólogos entender essa dinâmica social e não sermos ingênuos a ponto de criticar a violência a partir de fatos e dados do senso comum, mas sim a partir de uma leitura mais profunda da questão, verificando todas as cartas em jogo, avaliando desde a concepção de Freud que o homem possui características inatas até as pontuações e hipóteses de Laia.



















Referências Bibliográficas


BARRETO, Francisco Paes. Psicanálise e violência urbana. Caderno Pensar. Jornal Estado de Minas, 24 de junho de 2006.

LAIA, Sérgio. Demissão do pai, domínio da mãe e violência urbana. Uma contribuição para a investigação sobre a “perversão generalizada”. 2006.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Dona Licinha


A senhora não me conhece. Faz tanto tempo e me lembro de detalhes do seu jeito, sua voz, seu penteado e roupas... A senhora ensinava na 3a série B e eu era aluna da 3ª série C no Grupo Escolar do Tatuapé... Passava no corredor fazendo figa para mudar de classe, pra minha professora viajar e nunca mais voltar, pra diretora implicar e me mandar pra 3a B... Nunca tive tanta inveja na minha vida como tive das crianças da série B...


Lembro que na sua sala se ouviam risadas quase o tempo todo. Maior gostosura! De vez em quando, um enorme silêncio quebrado por uma voz suave...era hora de contar histórias. Suspirando, eu grudava na janela e escutava o que podia... Também muitos piques e hurras, brincadeiras correndo solto. Esconde-esconde, telefone sem fio, campeonato de Geografia. Tanto fazia a aprontação inventada. Importava era sentir a redonda contenteza dos alunos.


A sua sala era colorida com desenhos das crianças, um painel com recortes de revistas e jornais, figurinhas bailando em fios pendurados, mapas e fotos... Uma lindeza rodopiante mudada toda semana! Vi pela janela seus alunos fantasiados, pintados, emperucados, representando cenas da História do Brasil! Maior maravilhamento! Demorei, entendi. Quem nunca entendeu foi a minha professora... Seu segredo era ensinar brincando. Na descoberta! Na contenteza!


Nunca ouvi berros, um "Cala boca", "Aqui quem manda sou eu" e outras mansidões que a minha professora dizia sem cansar. Não escutei ameaças de provas de sopetão, castigos, dobro da lição de casa, chamar a diretora, com que a minha professora me aterrorizava o tempo todo...


Dona Licinha, eu quis tanto ser sua aluna quando fiz a 3a série. Não fui... Hoje, tanto tempo depois, sou professora. Também duma 3a série. Agora sou sua colega... Só não esqueço que queria estar na sua classe, seguir suas aulas risonhas, sem cobranças, sem chateações, sem forçar barras, sem fazer engolir o desinteressante. Numa sala colorida, iluminada, bailante. Também quero ser uma professora assim. Do seu jeito abraçante.


Hoje, vi uma garotinha me espiando pela janela. Arrepiei. Senti que estava chegando num jeito legal de estar numa sala de aula... Por isso resolvi escrever para a senhora. Vontadona engolida por décadas. Tinha que dizer que continuo querendo muito ser aluna da Dona Licinha. Agora, aluna de como ser professora. Fazendo meus alunos viverem surpresas inventivas.


Um abraço apertado, cheinho de gostosuras,

da Ciça


Conto de fanny Abramovich

Ilustrado por Carlo Giovani

Foto de Leo Feltran